“
Ai como dói o meu coração, na esperança
de ver teu rosto. Vivo na ilusão de ser disposto, e tu meu amor, que
cravejas-te uma seta no meu peito alado, que perpetuas-te as palavras
indefinidas do amor, sem correspondência. Poetisa do meu coração. Leio na tua
boca, quando os teus lábios fecham, todos os murmúrios do mundo. E o dia é o
amanha, sem dia, sem tempo, apenas o infinito, apenas o tormento, de não poder
ver a tua face cândida de prazer. E assim sinto-me morrer. Morro mesmo, quando
o teu olhar cruza o meu. Quando na ilusão tento escutar o teu coração. No
momento em que evocas a recordação, para que nela ressurjas na tua sombra. Alma
perdida. Vazio profundo. Eterna ferida. Solidão do teu mundo. Ele sangra,
sangra, e é o teu abraço que o conforta. Nele forte te tornas para a tua força
não fraquejar, minha musa. Tu que viajas no murmúrio do tempo, que ouves o som
dos pássaros e presentes o som da cor do mar. Confessa a ilusão que percorre o
teu tempo. Sendo tempo de avançar. E a areia molhada que te colhe na sua
imensidão, cujas ondas se perdem, na nossa outrora paixão. Perdida.
Desaparecida. Que te afogam e não te deixam respirar. A cada mergulho nesse
abismo onde te sentes desmaiar. Adormecida no leito do teu sono, abraçado no
teu ser profundo. Renegas todas as cordialidades, ansiando apenas por um só
momento. Desse teu fogo. Do teu alento. Que por momentos te traz consolo. No
firmamento. Mas a inquietação persegue-te. Lembra-te o poema maldito. Da cinza
do mundo que nem a tua poesia consegue afastar. De ti, e tu perdida de ti meu
amor, perdida. Nesse teu abraço teu, que te abraça na solidão. Vejo as sombras
a percorrer as paredes. Os sonhos que te trazem as folhas das páginas despidas.
Tu que te perdes e te encontras nas letras de um livro. Nas letras mortas e
fecundas. Que te perseguem em sonhos. Quando no limbo te sentes cair. Desmaiada
de toda a tua condição de mulher. Como se a maldição fosse o seres sensível. E
tu que assim vives nessa ilusão, de mais um momento vazio, onde o prazer que te
sobra é apenas um breve abrigo, ocupando apenas um instante de solidão. Volta
para os teus sonhos, sombra que amaldiçoas a solidão. Que quem sabe um dia te
fez sentir assim. Tão perto de ti. E tão longe, ou perto, e tão perto do longe
do mundo, não sei ao certo. Comungamos dessas palavras vagas de poesia, com a
frieza que esconde o teu coração. Já te tinha um dia dito, sem o saber. Sem
saber a firmeza das palavras escolhidas. Diria o mestre sacrilégio, e
baptizaria com os beijos ternos. Essa mistura de amor perdido em mim. Sombra
fugaz que surges nos meus sonhos. Perdida de ti para te encontrares em mim.
Sendo a verdadeira poesia o amor, que nada mais é agora do que uma simples
mensagem, da inocência das palavras. Que um dia foram tuas, e que para sempre
estarão nesse cantinho onde procurares por elas. As palavras que caminham no
passado, pois o tempo não recorda lugares. É um fogo extinto que arde sem
razão. Ao que outrora esse teu olhar me disse. Vago. Distante. Solidão de
viajante. Como a quem o mundo abraçou e te ofereceu, um qualquer lugar no
mundo. É esse o meu destino. O universo. Do infinito. De onde um dia parti,
para agora nas palavras compreender. Que sempre ali estive, e sempre ali morri.
Sozinho no meu sítio sagrado. Vazio de toda a certeza, sendo a vacuidade que me
transporta para a minha eterna pureza. Como puro é o meu amor por ti, meu amor,
minha dor. "
terça-feira, 27 de maio de 2014
sexta-feira, 16 de maio de 2014
Texto de escrita criativa
Estavam no quarto
nº18, como indicava na placa em cima da porta rugosa. A luz do hall iluminava
mal a entrada da mesma. Era de uma cor violeta que incidia sobre os seus rostos
fazendo-os ter uma idade que não aparentavam. O som do quarto ao lado era
nítido de uma televisão ligada num canal qualquer. Talvez o canal de vendas que
tentaria vender qualquer produto fazendo companhia a quem estivesse acordado
aquela hora.
- Entramos?
Entraram. O acesso
era feito através de um cartão de plástico que se inseria sobre a ranhura da
porta.
O quarto estava
sereno e limpo. Inspirava um traço melancólico e as camas estavam feitas. Os
lençóis alinhados sobre a cama de cor branca tinham por cima uma manta que se
sobrepunha com um aspeto antigo com uns bordados à mão. Um quadro à frente da
cama mostrava a imagem de um homem solitário com um cachimbo na boca como se
fumasse para esquecer a sua dor.
Num dos cantos do
quarto estavam duas malas feitas. As paredes transpiravam saudade. A mesma saudade
que demonstrava os rostos do Sr. A (assim o vou chamar) e da Sra. B.
Aproximaram-se e
murmuraram algo ao ouvido que não foi inteligível. Deram um longo abraço. O
olhar do Sr. A transparecia a cumplicidade que nutria pela Sra. B, o que
evidenciava uma relação de longa data. Sentaram-se em cima da cama e
abraçaram-se novamente. Foi evidente o sorriso que Sr.A fez para a Sra. B que o
abraçava efusivo.
- Sabes que eu gosto
de ajudar os outros. Podes contar comigo.
Disse-lhe ao ouvido
esboçando um ligeiro sorriso.
E isso era
perentório na relação que parecia existir entre aquele casal. Mas seriam um
casal? O narrador imiscuísse dessa tese, quando o Sr. A pegou na sua aliança e
a poisou em cima da mesa-de-cabeceira. Talvez fossem meros amantes que se encontrariam
ali como noutro quarto qualquer.
- Sabes que não
devia estar aqui contigo. Disse Sra. B para o Sr. A que a tentava agarrar sobre
a cintura. Num acesso involuntário afastou-se dele e murmurou ao leve numa voz
que ecoou sobre o quarto num pranto melancólico.
- Não devia mesmo
estar aqui contigo.
O Sr.A tolerou esse
afastamento e levantou-se abrindo a persiana do quarto, que deteve-se imóvel
enquanto entravam os primeiros raios da manhã. Era a madrugada que se anunciava
pelos pequenos fios de luz que brotavam do exterior.
- Sabes que não
devia estar aqui contigo.
A aliança brilhando
sobre a mesa-de-cabeceira ao pé do cartão chave que abria a porta, e o mesmo
som do televisor ligado do quarto ao lado no canal de vendas.
- Mas estás! Quer
dizer qualquer coisa. Disse o Sr.A para a Sr. B que se deteve olhando um postal
que estava em cima da mesa da entrada, bem em frente à cama, com uma imagem de
uma porta luminosa que parecia abrir-se á luz que se sentia do exterior.
- Quer dizer
qualquer coisa. Repetiu baixinho enquanto lhe olhava o rosto terno e simpático,
um pouco pálido do enunciar da hora.
Sra. B sentiu-se
vulnerável aquele pedido. Olhou de relance para as malas feitas junto à porta.
Uma delas chamando por si, como se fosse uma despedida.
- Dançamos, bebemos
um pouco demais e agora queres ir embora. Disse o Sr.A enquanto olhava para a
Sra. B reparando que se aproximava das malas.
- Isto tudo
parece-me errado. Murmurou a Sra. B.
E o som do televisor
que se parecia ter desligado por momentos, fazendo sobressair a sua voz cândida
com medo de pronunciar aquelas palavras.
- Talvez seja
errado. Disse o Sr.A olhando para a sua aliança perdida em cima da
mesa-de-cabeceira ponderando bem a sua decisão. – Mas sabes bem como não gosto
de ser contrariado.
Acendeu um cigarro
que puxou numa passa mais prolongada fazendo incidir a luz da ponta no escuro
do quarto que apenas se iluminava pela luz ténue que surgia da janela.
- E tu sabes que eu
sou tolerante. Respondeu a Sra.B aquela frase.
- Podes contar
comigo. Repetiu o Sr.A olhando nos seus olhos e puxando mais uma passa do
cigarro.
- E sabes que não
podes fumar aqui.
Ele olhou
profundamente nos seus olhos e disse.
- Se quiseres ir
vai. Não te forço mais. E dirigiu-se à mesa-de-cabeceira colocando novamente a
aliança no dedo como sinal de partida.
Sra. B olhou para
ele e pegou nas malas.
- Vemo-nos por aí. E
partiu deixando a porta aberta, uma porta escancarada como um prenúncio do
mundo.
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