terça-feira, 27 de maio de 2014

Meu amor

Prosa Poética



Ai como dói o meu coração, na esperança de ver teu rosto. Vivo na ilusão de ser disposto, e tu meu amor, que cravejas-te uma seta no meu peito alado, que perpetuas-te as palavras indefinidas do amor, sem correspondência. Poetisa do meu coração. Leio na tua boca, quando os teus lábios fecham, todos os murmúrios do mundo. E o dia é o amanha, sem dia, sem tempo, apenas o infinito, apenas o tormento, de não poder ver a tua face cândida de prazer. E assim sinto-me morrer. Morro mesmo, quando o teu olhar cruza o meu. Quando na ilusão tento escutar o teu coração. No momento em que evocas a recordação, para que nela ressurjas na tua sombra. Alma perdida. Vazio profundo. Eterna ferida. Solidão do teu mundo. Ele sangra, sangra, e é o teu abraço que o conforta. Nele forte te tornas para a tua força não fraquejar, minha musa. Tu que viajas no murmúrio do tempo, que ouves o som dos pássaros e presentes o som da cor do mar. Confessa a ilusão que percorre o teu tempo. Sendo tempo de avançar. E a areia molhada que te colhe na sua imensidão, cujas ondas se perdem, na nossa outrora paixão. Perdida. Desaparecida. Que te afogam e não te deixam respirar. A cada mergulho nesse abismo onde te sentes desmaiar. Adormecida no leito do teu sono, abraçado no teu ser profundo. Renegas todas as cordialidades, ansiando apenas por um só momento. Desse teu fogo. Do teu alento. Que por momentos te traz consolo. No firmamento. Mas a inquietação persegue-te. Lembra-te o poema maldito. Da cinza do mundo que nem a tua poesia consegue afastar. De ti, e tu perdida de ti meu amor, perdida. Nesse teu abraço teu, que te abraça na solidão. Vejo as sombras a percorrer as paredes. Os sonhos que te trazem as folhas das páginas despidas. Tu que te perdes e te encontras nas letras de um livro. Nas letras mortas e fecundas. Que te perseguem em sonhos. Quando no limbo te sentes cair. Desmaiada de toda a tua condição de mulher. Como se a maldição fosse o seres sensível. E tu que assim vives nessa ilusão, de mais um momento vazio, onde o prazer que te sobra é apenas um breve abrigo, ocupando apenas um instante de solidão. Volta para os teus sonhos, sombra que amaldiçoas a solidão. Que quem sabe um dia te fez sentir assim. Tão perto de ti. E tão longe, ou perto, e tão perto do longe do mundo, não sei ao certo. Comungamos dessas palavras vagas de poesia, com a frieza que esconde o teu coração. Já te tinha um dia dito, sem o saber. Sem saber a firmeza das palavras escolhidas. Diria o mestre sacrilégio, e baptizaria com os beijos ternos. Essa mistura de amor perdido em mim. Sombra fugaz que surges nos meus sonhos. Perdida de ti para te encontrares em mim. Sendo a verdadeira poesia o amor, que nada mais é agora do que uma simples mensagem, da inocência das palavras. Que um dia foram tuas, e que para sempre estarão nesse cantinho onde procurares por elas. As palavras que caminham no passado, pois o tempo não recorda lugares. É um fogo extinto que arde sem razão. Ao que outrora esse teu olhar me disse. Vago. Distante. Solidão de viajante. Como a quem o mundo abraçou e te ofereceu, um qualquer lugar no mundo. É esse o meu destino. O universo. Do infinito. De onde um dia parti, para agora nas palavras compreender. Que sempre ali estive, e sempre ali morri. Sozinho no meu sítio sagrado. Vazio de toda a certeza, sendo a vacuidade que me transporta para a minha eterna pureza. Como puro é o meu amor por ti, meu amor, minha dor. "

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Texto de escrita criativa



Estavam no quarto nº18, como indicava na placa em cima da porta rugosa. A luz do hall iluminava mal a entrada da mesma. Era de uma cor violeta que incidia sobre os seus rostos fazendo-os ter uma idade que não aparentavam. O som do quarto ao lado era nítido de uma televisão ligada num canal qualquer. Talvez o canal de vendas que tentaria vender qualquer produto fazendo companhia a quem estivesse acordado aquela hora.
- Entramos?
Entraram. O acesso era feito através de um cartão de plástico que se inseria sobre a ranhura da porta.
O quarto estava sereno e limpo. Inspirava um traço melancólico e as camas estavam feitas. Os lençóis alinhados sobre a cama de cor branca tinham por cima uma manta que se sobrepunha com um aspeto antigo com uns bordados à mão. Um quadro à frente da cama mostrava a imagem de um homem solitário com um cachimbo na boca como se fumasse para esquecer a sua dor.
Num dos cantos do quarto estavam duas malas feitas. As paredes transpiravam saudade. A mesma saudade que demonstrava os rostos do Sr. A (assim o vou chamar) e da Sra. B.
Aproximaram-se e murmuraram algo ao ouvido que não foi inteligível. Deram um longo abraço. O olhar do Sr. A transparecia a cumplicidade que nutria pela Sra. B, o que evidenciava uma relação de longa data. Sentaram-se em cima da cama e abraçaram-se novamente. Foi evidente o sorriso que Sr.A fez para a Sra. B que o abraçava efusivo.
- Sabes que eu gosto de ajudar os outros. Podes contar comigo.
Disse-lhe ao ouvido esboçando um ligeiro sorriso.
E isso era perentório na relação que parecia existir entre aquele casal. Mas seriam um casal? O narrador imiscuísse dessa tese, quando o Sr. A pegou na sua aliança e a poisou em cima da mesa-de-cabeceira. Talvez fossem meros amantes que se encontrariam ali como noutro quarto qualquer.
- Sabes que não devia estar aqui contigo. Disse Sra. B para o Sr. A que a tentava agarrar sobre a cintura. Num acesso involuntário afastou-se dele e murmurou ao leve numa voz que ecoou sobre o quarto num pranto melancólico.
- Não devia mesmo estar aqui contigo.
O Sr.A tolerou esse afastamento e levantou-se abrindo a persiana do quarto, que deteve-se imóvel enquanto entravam os primeiros raios da manhã. Era a madrugada que se anunciava pelos pequenos fios de luz que brotavam do exterior.
- Sabes que não devia estar aqui contigo.
A aliança brilhando sobre a mesa-de-cabeceira ao pé do cartão chave que abria a porta, e o mesmo som do televisor ligado do quarto ao lado no canal de vendas.
- Mas estás! Quer dizer qualquer coisa. Disse o Sr.A para a Sr. B que se deteve olhando um postal que estava em cima da mesa da entrada, bem em frente à cama, com uma imagem de uma porta luminosa que parecia abrir-se á luz que se sentia do exterior.
- Quer dizer qualquer coisa. Repetiu baixinho enquanto lhe olhava o rosto terno e simpático, um pouco pálido do enunciar da hora.
Sra. B sentiu-se vulnerável aquele pedido. Olhou de relance para as malas feitas junto à porta. Uma delas chamando por si, como se fosse uma despedida.
- Dançamos, bebemos um pouco demais e agora queres ir embora. Disse o Sr.A enquanto olhava para a Sra. B reparando que se aproximava das malas.
- Isto tudo parece-me errado. Murmurou a Sra. B.
E o som do televisor que se parecia ter desligado por momentos, fazendo sobressair a sua voz cândida com medo de pronunciar aquelas palavras.
- Talvez seja errado. Disse o Sr.A olhando para a sua aliança perdida em cima da mesa-de-cabeceira ponderando bem a sua decisão. – Mas sabes bem como não gosto de ser contrariado.
Acendeu um cigarro que puxou numa passa mais prolongada fazendo incidir a luz da ponta no escuro do quarto que apenas se iluminava pela luz ténue que surgia da janela.
- E tu sabes que eu sou tolerante. Respondeu a Sra.B aquela frase.
- Podes contar comigo. Repetiu o Sr.A olhando nos seus olhos e puxando mais uma passa do cigarro.
- E sabes que não podes fumar aqui.
Ele olhou profundamente nos seus olhos e disse.
- Se quiseres ir vai. Não te forço mais. E dirigiu-se à mesa-de-cabeceira colocando novamente a aliança no dedo como sinal de partida.
Sra. B olhou para ele e pegou nas malas.
- Vemo-nos por aí. E partiu deixando a porta aberta, uma porta escancarada como um prenúncio do mundo.