Melissa era uma pequena
menina que estava a morrer com leucemia. Uma leucemia do tipo aguda que lhe
minava todas as células do corpo sem que ela pudesse fazer nada para o evitar.
Os seus olhos de um azul claro lúcido brilhavam como duas candeias de amor, e
as duas covinhas que fazia quando sorria pareciam fazer esquecer o seu rosto
magro que se apagava perante o sofrimento. No hospital onde estava internada
como doente terminal ficava situado junto a um pequeno descampado semelhante a
uma planície verde, onde ela imaginava brincadeiras com os outros meninos, e o
rosto de compaixão dos médicos não faziam apagar o desfecho mortal que a doença
teria na sua vida. As paredes do quarto eram de um azul celeste, e à sua volta
apenas umas pequenas túlipas decoravam aquele espaço, cuja janela deixava
entrar de mansinho os pequenos raios de sol. Ela continuava entubada a uma máquina
mas os seus sentidos estavam activos, e ela conseguia ver tudo o que se passava
em seu redor . Não posso precisar quando lhe foi diagnosticada a doença. Talvez
num dia normal como todos os outros, mas apesar disso, o frio que se evadia no
seu corpo alertava-a para a morte anunciada. Um futuro tão triste, que os seus
pais combalidos choravam lágrimas de raiva pela sua condição. Choravam de
mansinho sem ela ver, mas quando estavam com ela, as palavras eram de
conformismo e de uma saudade imensa.
- Melissa, o pai está
aqui contigo esta noite. Não deixa a menina sozinha. Dizia-lhe ao ouvido
enquanto ela medicada, sentia-se planar num céu azul tal como a cor dos seus
olhos.
- Sim pai cante-me uma
canção. Pedia-lhe a menina.
E ele que mal conseguia
soletrar um som, tal era a dor que sentia no seu peito cantava-lhe baixinho uma
história de embalar.
- Era uma vez uma menina…
Cantava o pai – Que tinha uns olhos da cor do mar, e que se sentia viajar por
entre as estrelas que a acarinhavam. Uma a uma brilhando na noite escura… uma a
uma brilhando no céu estrelado, enquanto a lua lhe sorria e dizia que tudo iria
ficar bem.
A criança adormecia à
medida que o pai cantava a história e sentia-se embalar e à medida que
adormecia sonhava o mesmo sonho que lhe surgia em mente quando estava a
meditar.
- Era uma vez uma menina…
As noites passadas em
branco por parte dos pais eram de uma terna solidão. Pensando que a sua filha
ficaria sozinha um dia longe deles e que iria ser devorada pela terra. Por
isso, os esforços para passarem com ela aqueles curtos momentos da sua curta
vida, eram feitos com afecto e carinho.
Os dias iam passando. Lá
fora o vento uivante sentia-se por entre a janela do quarto, e quando mais
persistente acordava a menina, que dormindo profundamente sonhava o mesmo sonho
em que estava perante uma escada, que a levaria até ao céu. Uma escada em
caracol que ela subia passo a passo devagar, sendo recebida pela aura de um
espírito que lhe dizia que em breve tudo iria ficar bem, e para ela se alegrar,
que no céu azul haveria muitos meninos para brincar com ela. Então ela sorria
para o espírito, e às portas do céu, admirava o azul claro do céu imenso que soletrava
palavras de descanso na sua face redonda, no qual o seu cabelo curto agora
desmanchado perante a doença lhe voltava a crescer, com laivos dourados que lhe
cobriam o rosto tal como era quando nada havia acontecido. Quis subir mais as
escadas, para ir ter com os outros meninos, mas o espírito dizia-lhe que não
porque ainda era cedo para ela ficar ali com eles para sempre. Ainda teria de
se despedir dos seus pais, e dar-lhes uma palavra de consolo, para que eles
compreendessem que ela iria ficar bem. Que tudo iria ficar bem. Mas talvez não
entendessem o porque de uma coisa daqueles tão dramática ter ocorrido
precisamente com o seu pequeno anjo de asas doiradas. Ou não quisessem outra
interpretação a não ser a da fatalidade injusta da morte.
Deus leva cedo aqueles
que mais ama.
Um dia que era como um
dia qualquer, a morte veio à sua procura. Manifestava-se na forma de uma
corrente de ar que soprava mais insidiosa no quarto. Melissa abriu os seus
pequeninos olhos, e pode ver a sua face. Da morte, que perante ela lhe dizia
que a tinha vindo buscar.
- Quem és tu? Perguntou,
incidindo os seus olhos da cor azul como o céu límpido e sereno.
- Eu sou a morte.
Disse-lhe a mensageira.
- És a morte? Sempre te
imaginei de tons negros, com um busto de caveira, escondida num manto preto com
uma foice na mão. Disse a menina alegrando-se por a morte não ser nada assim.
Pois ela era um anjo, que tinha vindo buscar a criança e com ela leva-la para o
céu.
- Hoje podes subir as
restantes escadas do teu sonho! Exclamou a morte olhando para ela, iluminando-a
com a sua aura de dourado que lhe alegrou o coração.
- E posso brincar com os
outros meninos? Perguntou a criança.
- Sim podes! Hoje podes.
Por isso te venho buscar. Para brincares com os outros meninos.
O rosto da criança alegrou-se
e os seus pequeninos olhos piscaram de alegria. Podia finalmente subir as
restantes escadas que a separavam das crianças e com elas brincar na longa
planície verde que se estendia à sua volta.
A morte soprou-lhe num
suspiro raro e ela sentiu-se levitar. O seu corpo deixou-se ficar na cama.
Entretanto o seu pai entra no quarto e pergunta-lhe com quem estava a falar.
- Com a morte! Exclama a
pequena menina. A morte que me veio buscar.
O seu pai olha em volta
no quarto mas não vê ninguém. Nem morte nem qualquer estranha criatura que lá
pudesse estar, e pensa que aquilo seria um delírio por parte da criança que
estaria sob o efeito calmante dos medicamentos. Então senta-se perto dela e
pega-lhe na mão. Uma mão magra e pequenina, que lhe insidia em ossos frios, que
o fez esfregá-la na sua para a aquecer. Mãos frias coração quente. Como seria o
coração daquela menina, que se alegrava agora pensando que num futuro não muito
distante daquele, o seu sofrimento iria cessar e podia brincar com as outras
crianças que moravam no céu.
O pai começa então a
cantar novamente a música que a embalava em sonhos e à medida que a cantava, a
criança ia adormecendo profundamente. Ela sonhava. Sonhava que estava a subir
as escadas, talvez pela última vez, enquanto o pai naquele quarto de hospital
via a sua face combalida face à dor a ser acarinhada por uma última vez.
- Vem Melissa, os meninos
estão à tua espera.
A luz que o espírito
encadeava não lhe magoava os olhos. Era de uma aura cordial e singela, e o
silêncio que imperava naquele sítio fazia-lhe escutar a música de Deus.
Então subiu mais uns
degraus, e chegando ao cimo viu o anjo da morte que a tinha vindo buscar aquele
quarto de hospital. Ele olhou para ela e pegando-a com a mão levou a menina com
ela para junto dos outros meninos. Naquela planície verde, sob o céu azul
pálido as crianças brincavam correndo com os seus papagaios de papel, e
gritavam para a menina vir brincar com eles.
No quarto de hospital o
pai escutou a sua última expiração, sendo cessado de respirar e partindo para
onde Deus a mais queria acolher.
- Marta! Gritou o pai. –
A nossa menina marta. – Gritava assustado com medo de a ver perder naquele
momento.
Mas a criança já não
respirava e tinha partido para sempre de junto deles. Apenas o seu corpo frágil
se assomava naquele quarto, enquanto o seu espírito tinha ido para outro lugar.
Para um lugar onde o céu azul claro se migrava em tons de violeta para acolher
aquele que Deus mais ama.
Ela tinha partido para
sempre.
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