(continuação)
Lisboa.
Cidade
adormecida. Das sete colinas na qual é espaço a minha história.
Para a
qual migram as mais belas palavras que ao desenhar no papel se compõem em melodia,
em jeito simples, da linha que as reencontra de toda a eternidade.
Na
folha branca que a tinta compõe de emoção sobre a linha, existem traços de
sonhos a quem os lê. E quem lê assim compreende que fazem parte de si, pois
todas as vidas do mundo existem cruzadas, reunindo em si os mesmos sentimentos.
Tu que
me lês compreendes porque já sentis-te assim.
Lisboa.
Cidade
que abriga as almas dos que procuram conforto nas luzes que iluminam as ruas e
vivem cindidas na sua comoção.
Ciente
das tristezas dos que a percorrem sem rumo, ou das alegrias dos apaixonados que
nela prometem juras de amor. Para sempre gravadas nas paredes ou nas árvores em
forma de coração, que perpetuam a esperança no infinito que existe apenas
enquanto nós por cá a vida respirarmos.
Por ela
se escrevem as mais lindas histórias de amor que por vezes ao surgirem
despropositadas e inconscientes se tornam mais fortes que o laço irremediável
do destino. Nem o fado consegue desatar.
Tal
como esta que vos irei contar.
Simples
e bela, que reúne em si a inspiração da centelha da vida. As almas dos seus
apaixonados poderão nunca se encontrar, por assim a vida o criar por direito, e
as suas páginas o designarem, mas o amor que os une apenas só ele o pode
explicar.
Um amor
que surgiu das palavras e que inofensivo, queima com o fogo da paixão que nos
faz sofrer, essa dor do amor não correspondido.
O amor
puro e platónico, imemorial das palavras, que se funde com o que a alma
transmite de toda a sua beleza.
Tudo
começou num dia de chuva.
A chuva
caia sobre a terra em rebentos que ao cruzar o vento ripostavam em círculos que
se dividiam ao cindir, tal como um bailado que se perpetuava naquele dia
cinzento.
A
eterna chuva de que se faz tempo quando solitários olhamos ao longe o horizonte,
e nos apercebemos da imensidão do mundo.
Um
mundo que se cruza em caminhos outrora traçados pelo criador e que se unem nos
momentos inexplicáveis.
Sendo
pelo acaso do destino que as vidas se desenrolem, e justifique nas suas páginas
ilesas que tudo têm um propósito.
Sendo
assim, que eu confie nos sinais que me orientam em tempo cego, e que acredite
num mundo para além do conformismo com o cinzento dos dias, que desilude aquele
que atravessa a sua jornada sem algo de especial que o possa alentar.
Sendo
essa a matéria de que são compostos os sonhos, cujo sentido espiritual é
simples e natural, por ser apenas possível por assim o sentirmos e querermos
para a nossa vida, sendo algo que já existe dentro de nós.
Talvez
tenha sido assim que esta história começou. Quando pelo teu olhar terno fui
abençoado nesse dia em que era o som da chuva que parecia evadir-se em minha
casa e quando dele me tornei apaixonado.
Sem
explicação parecia conhecer-te.
No
íntimo conhecia a tua essência pura, iluminada pelo teu sorriso sereno de gesto
simples em que os olhos falam a linguagem da alma.
Ciente
de que o amor existiu eternamente e que basta ressurgi-lo na linguagem das
palavras.
Palavras
trocadas sob a forma de laços criativos que nos uniam com o passar dos dias, e
nos aproximavam, em almas enlaçadas. Repletas desse saudosismo em que se aperta
o coração distante, separado pelo mundo, mas unido na certeza de um dia se
encontrar.
Foram
para sempre juras declamadas ao vento, que ele a ti te levasse em meu nome,
para que delas nos tornássemos um pouco mais uno, e a vida permitisse esse
amor.
Ela foi
generosa contigo por te inspirar as belas canções e tu em mim, os belos poemas.
Melodia
que na noite se unia e só tu e eu compreendemos.
Platónico,
o tornava especial, criando das palavras o imemorial.
Foi
nesse lugar-comum, das palavras que nos podemos conhecer e compreender um pouco
da nossa essência, que apesar de submersa por todas as camadas de ego que nos
revoguem ao longo das vidas, no infinito, dela se fez brilho em tua alma,
revigorando a minha com a tua luz.
Desse
encanto, do jeito simples e terno com que te exprimias, pode entender que
existe quem não ceda à tentação de viver uma vida aparente e fútil, e procure
outra com mais significado.
Ansiando
pelos seus sonhos e lutando por eles.
A vida
foi-te generosa, embora talvez não fosse em relação ao que nos unia,
privando-nos do sentido das palavras que nos faziam sonhar.
Apesar
disso, ao ver-te decisiva em relação ao teu destino, pode compreender que a
viagem para ti era uma forma de te procurares a ti mesma e só te encontrando
regressares a casa.
A vida
é uma viagem, cujo sentido impresso na melodia, seduz a nossa alma. É nela que
vamos buscar o nosso consolo, resposta ao nosso desassossego, para então ao nos
reencontrarmos, descobrirmos a paz na serenidade, e no breve instante em que as
palavras se pronunciam no éter, o amor se torne sublime.
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