Confesso
amor à primeira vista.
Submergiu
cá dentro como se já existisse e aguardasse o seu renascimento.
O
aperto forte fez-me questionar o que sentira, e perguntei-o à minha Avó que me
fazia companhia naquele momento. Sentindo receosa a chuva que desabava sobre a
nossa cidade respondeu.
“ A
vida é cheia de coincidências, e pode ter sido essa a forma de te sorrir. “
Parece
que te conhecia desde sempre, e o aperto no coração fez-me questionar.
Sorriu.
A luz
dos relâmpagos surgiram como focos de cor que invadiam a nossa casa,
O
Destino assim queria que nos cruzássemos de mil em mil anos, como dois pássaros
que migram para destinos diferentes e regressam uma única vez a casa para se
reencontrarem.
“
Confia se a vida te fez sentir que a conheces de toda a eternidade. Nunca
ninguém no mundo irá conseguir traduzir em palavras o que existe de sublime
numa verdadeira história de amor. “
Naquele
momento esqueci o temporal e apenas escutava a tua voz. Falavas da tua vida na
Índia, o que te motivava no teu caminho, face às diferenças que essa cultura
tinha em relação ao Ocidente. Por fim, o programa terminou.
A minha
avó sorriu. Levantou-se e desapareceu no corredor de casa com se fosse buscar
algo. Retornou pouco tempo depois com uma fotografia do meu Avô, que guardava
num álbum de memórias no quarto e que apesar de antiga permanecia em boas
condições.
Abriu-o
com um sorriso terno nos olhos como se regressasse ao passado, ao seu tesouro.
“ O teu
Avô e eu conhecemo-nos quando partira para a guerra muito novo, para lutar pelo
teu país. Foi através das suas palavras que me apaixonei, e que compreendi de
que era feita a sua alma. Sendo feita dessa matéria especial de que são feitos…
“
Os
Sonhos! Respondi.
O seu
silêncio vago ao longo da vida e a sua experiência eram agora transmutados na
sua sabedoria.
Ao
ouvir a sua história, continuava imerso na tua admiração.
Também
os meus sonhos eram como nuvens no céu, que apesar de escuro naquele instante
não deixava de retornar ao azul que assim escondia. Em breve se faria luz e com
ela o brilho dos pássaros e a sua melodia recordariam a tua voz, cuja canção
era a tua paixão.
“ Eu
bem vi como é bonita! “ Sorriu com a timidez que me caracterizava.
Compreendi
que através de mim, revivia o seu passado e todas as memórias partilhadas com o
meu Avô e tudo o que significava para ela.
Nem o
som dos trovões nos faziam declinar dessa Saudade. Escutada no silêncio.
Retomada em nós melancolia que nos faziam esquecer o Agora e viajar no tempo.
Folheou-o
mais uma página no álbum, e o pó levantou-se no ar para desaparecer na
atmosfera.
Retirou
uma carta antiga que ele lhe havia escrito e desembrulhou-a. As suas páginas
desgastadas, de cor esbatida, tingida pelo tempo e de cheiro antigo, cortaram o
silêncio nos movimentos ao desembrulharem-na.
Nela
dizia que se havia apaixonado por ela ao olhar a sua fotografia, cujos olhos o
haviam abraçado.
Ela
corou.
Corou
como na primeira vez ao ler aquelas páginas, após ter decidido trocar
correspondência com um soldado que ansiava pela companhia das palavras para se
sentir reconfortado.
“ Foi
assim que nos conhecemos. ”
À
distância trocaram juras e palavras que os fez apaixonar. Sonharam em conjunto
o que idealizavam, e assim o concretizaram.
O amor
surge sem explicação. É imprevisto e inexplicável. Arrebata corações e pode
torná-los frágeis ao ponto de os destroçar.
A carta
perpetuaria para sempre esse momento. Cujas palavras sábias eram impressas no
mundo como histórias escritas no livro da vida.
Sorriu
novamente, e sugeriu.
“
Escreve-lhe uma carta. “
A
tempestade acalmou e o vento deixara de soprar forte sobre as frestas das
janelas. Afluía-se a chuva lenta em traços repetidos em relação à torre e do
céu surgiam raios de tom que quebravam a escuridão das nuvens.
A minha
Avó tinha-me surpreendido. A sua perpétua solidão tinha-se transmutado em
feição alegre, transmitindo uma luz brilhante ao seu neto. Recordava o seu
amor, e o seu passado, cujas recordações alegravam a sua alma em momentos de
solidão.
Olhei a
rua lá em baixo, e as poucas árvores que circundavam o bairro degradado
abanavam com o vento que soprava no horizonte.
O olhar
da minha Avó conflui-se com o meu. Os raios desapareciam ao longe e davam
origem ao som dos trovões. Ténues e longínquos perdiam-se nas colinas de que
era feita Lisboa.
A
eterna Lisboa.
Cidade
das sete colinas. Reúne em si todos os traços e cores, o que a torna uma das
mais bonitas do mundo. A sua tradicionalidade reflecte as histórias do seu
fado, que se une velho e novo com os graffiti que embelezam as paredes na
paixão pelo moderno.
Reli
mais uma vez a carta do meu Avô.
Com a
luz da Lua que surgia cruzando as nuvens negras, dava-lhe outro significado.
Decifrava o som da guerra. O carinho pela minha Avó. Da sua poesia conclui que
um homem pode ser romântico, pois isso não o torna menos homem mas talvez mais
humano.
Ela
concordou e recordou o seu dom para as palavras que a fizeram apaixonar por
ele.
“
Quando o fui receber ao cais, no barco que o retornou da guerra, no primeiro
abraço era como se já o conhecesse de toda a eternidade. “
Daí a
emoção ao ver o amor do neto, e por ela o ter vivido da mesma forma.
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