A noite
tinha caído.
Os sons
dos carros perpetuavam-se pelos passeios no seu regresso a casa.
A
atmosfera fria dirigia-se em direcção à faculdade.
Desci
aqueles breves metros e aguardei pelo autocarro.
Na
paragem olhei os rostos alheios, reparando na dureza da vida. Questionei de que
seriam feitos os seus sonhos. Com quem partilhariam os seus anseios. Como
lidariam com as coincidências da vida.
Os rostos
fechados pareciam declinar desse propósito e apenas eu era feito dessa
fantasia.
Apenas
restava esse sonho, esse acreditar.
O curso
acabava dentro de meses, tal como o pronuncio da minha Avó marcado nas suas
rugas, e no seu olhar vago com que se despedia da sua história.
Por
isso o sonho alimentava a minha alma. Transmitia-me o fogo que da dor se
tornava desabafo, quando imerso olhava os aviões que se despediam em lágrimas
cravadas pelos espinhos do tempo.
A minha
arte era o eterno sentimento partilhado por todos nós. A eterna melancolia. Em
qualquer local falaria a linguagem do mundo. A linguagem da sensibilidade das
palavras que se compõem como se vivessem para além do papel.
A
música também teria esse dom. Reunir os povos. Deles criar a causa, do poder
das palavras por um mundo melhor. Que é nosso dever criar em cada dia de nossas
vidas.
Palavras
proclamadas ao vento, inspirando na sua emoção.
Por
isso apenas restava aguardar pelo pronuncio da vida. Aguardar pela sua
esplendorosidade.
Acredita
e deposita em ti as infinitas esperanças.
Esquece
as preocupações. Eu estou aqui para te apoiar.
Da
escrita fundia o belo e o feio para alcançar o sublime. Porque apenas no
sublime podia encontrar a essência do universo.
Nesse dia ao chegar a casa, surpreendi
a minha Avó com um beijo na face ao que me perguntou o que se passava por esse
gesto inesperado.
Respondi
que me enviaras uma mensagem.
A
rapariga dos olhos meigos.
Olhou-me
nos olhos e surpresa respondeu.
“ Já te
respondeu à carta? “
Respondi
que o gesto tinha sido imprevisto, e a coincidência teria sido a letra da música
que tinha escutado, lendo-a.
A vida
havia escrito no seu livro a primeira página da nossa história de amor.
Comoveu-se
recordando o meu Avô. Tal como as palavras ao reler as cartas de amor que havia
escrito à tantos anos atrás, mas cujo significado continuava marcado na
eternidade da sua alma. Como se deles aguardasse o seu reencontro.
Ela
acreditava que ele viria ao seu encontro e nesse momento da partida lhe daria a
mão para a levar com ele para o outro mundo. Retomando o amor que havia sido
interrompido em breves segundos.
Esse o
tempo sem significado se ao olharmos para o infinito recordarmos a sua
verdadeira grandeza.
Naquela noite o céu estava sereno. A
luz da lua brilhava sobre os passeios iluminando a escuridão.
O som
do silêncio apenas era interrompido pelo o cortejo do vento que se evadia pelas
poças de água rente ao passeio, confluindo nos passos de que os despercebidos
as percorriam.
Olhou
novamente para mim e releu a canção que tinha escrito no meu caderno.
Sorriu
e disse que devia sempre confiar na vida.
Sendo-lhe
grato, ela retorna-nos com o seu amor incondicional.
Escutei
os passos em direcção ao caminho, mas cujo destino apenas traz consigo o que o
livro da vida já escreveu.
Das suas palavras fez-se silêncio.
Tal
como na noite passada senti um arrepio. A presença do meu Avô fazia-nos
companhia naquele momento e senti-me acolhido por ele.
A minha
Avó olhou por cima de um dos meus ombros.
Sorriu.
Senti
uma paz dentro de mim, apaziguando o meu desassossego. Como se me iluminasse
com a sua luz.
“ E tu,
já respondes-te? “ Perguntou com um sorriso no rosto e os olhos a brilhar. “
Tens de lhe responder! ” Salientou na sua premonição.
Revivia
a sua história de amor, o seu passado, as suas memórias, e que naquele tempo em
que era feliz se abraçava ao meu Avô dirigindo todas as juras de amor. A cidade
havia-os acolhido nas noites de luar, nas caminhadas na noite em que a
atmosfera iluminava as suas palavras.
Respondi
que tinha escrito algumas frases mas que não iam ao encontro com o que desejava
transmitir.
“
Apenas o teu coração te inspirará as palavras perfeitas. “
O
caminho do coração.
O que
declina o pensamento, e cujo sentimento é para a maioria de nós irrazoável,
pela razão que nos remetemos diariamente nos nossos juízos, valores e
parâmetros sociais.
“
Apenas ele te inspirará as palavras sublimes. “
Tentei
escutá-lo, mas era absorvido pela razão, e pela minha intelectualidade. Tentei
dele escutar o sublime.
Daquele som de Inverno, cujas folhas
nas árvores caiam imersas nos passeios perpetuando a pouca natureza que restava
naquele bairro árido e deserto, observei os trajectos da lua.
Ela que
um dia me havia dito para transmitir os meus anseios e preocupações para a Lua,
olhando-a na emoção, quando dela se fizesse cheia. E ela retornaria a paz ao
nosso ser, com a sua luz brilhante.
A lua
reflectida no Oceano, cuja história de outro tempo, era apenas um reflexo da
passagem do mundo, perdia-se agora em memórias vagas.
Nessa
rota, imaginei a Índia.
O país
místico onde se reúnem todos os povos e cujo misticismo podia dar algum sentido
à tua vida. Sendo dai que encontrarias a sua beleza.
Seriam
como pétalas banhadas no rio para o qual flui a corrente em direcção ao mar.
A despedida
de um momento em que as lágrimas se proclamam na sua redenção.
De onde
surgem as juras de amor.
Perguntei-me
qual seria o som do teu coração se nesse instante olhasses a lua.
Que
reluz no céu e nos protege da nossa gravidade.
Que te
reúne à terra e suporta a saudade de outro tempo e de outro lugar.
Admirando-a
como se admirássemos o mesmo poema e ao nos inspirarmos encontrássemos a nossa
devoção.
A nossa
musa. Tu eras a musa perdida nas brumas do eterno. Aquela que em toda a vida
desejava encontrar.
Na Índia, o ancestral encontrava na
pobreza a sua contemplação. O contraste com a cidade de Lisboa. Os seus bairros
eram criados de latas e cartões imergidos em forma de parede, cujas valetas
suscitavam a ironia das nobres avenidas, que ostentavam o desequilíbrio de
riqueza. O migrar dos tecidos novos obstava os perdidos em formatos esquecidos.
Aos que os bairros se perdiam por isso mas de forma não menos singular e talvez
mais única. A pobreza que reunia a fluência dos povos. Dos sábios que
percorriam essas ruas na ascese para o caminho de suas vidas.
Talvez
algum te tenha proferido o seu oráculo.
Da
forma das nuvens e dos símbolos que lia nos céus, ao encontro com o que te
diria que viverias uma intensa história de amor.
No
imenso mar de vidas, eram proclamadas junto a esses bairros as palavras
dirigidas à partida dos que partiam imersos nas águas. Ao longe, na minha
cidade, partilhando dessa tua memória, via o Rio Tejo que também se tornaria
teu.
Tu que
és melodia do vento. Som do encanto da chuva e dos pássaros que retomam ao seu
ninho na noite escura. Inspiração da minha alma que se torna tua, em cada
palavra que escutava ao longe.
Partilha
comigo o céu calmo e sereno. Dos seus traços perdidos no tempo, era como o
Oceano que envolvia esse país, cujo profundo é o tempo que se repercute ao som
das estações.
Marés
de que são feitas suas lágrimas em sua paz.
Contemplando
a simplicidade dos banhos nas suas águas sagradas dos rios que se lhe afluem, e
cujo intuito é a purificação. Tomados ao renascimento da lua em cada noite, que
nos abençoa com a sua luz. Escutando o vento que sopra sobre essas águas
silenciosas, mas cujas sombras o roubam à sua serenidade tornando-o tom de
tempestade.
A
palavra Cavaleiro era a sua esperança. Queria cruzar com ele a felicidade,
unindo dessa saudade, o eterno do cair da noite.
Escutei
o coração. A inspiração trouxe-me o seu som, soprado pelas palavras, que eram
tuas de toda a eternidade.
Escrevi…
Carta
Para
ti Donzela,
Do teu Cavaleiro foram sinais partida do
destino,
De tua música se fez marés e criou o mar,
Se por ti me sinto assim sozinho,
É porque procuro em ti o meu lugar.
Desta Lua que partilhamos horizonte
Brilho manifesto em teu eterno olhar
São teus olhos, é tua paz é tua vida
Que eu quero partilhar.
Vai á tua procura, da tua alma
Que em paixão se tornou teu respirar
Nas palavras que remeto sem voz mas sinto
É em mim o direito a te amar.
Desse breve vento da manha
Em breves segundos que se recriou o céu
Dele se fez mundo
Imerso na eterna melodia das palavras.
Em teu colo partilhei minhas angústias
E tu com teu olhar disseste estou aqui
Foi desse amor incondicional
Que encontrei o meu abrigo.
Se meu anseio me impele a caminhar
E teu caminho é em ti a tua busca
Nele procuro os teus passos
Que em mim sejam certeza.
De que vale a vida
Se nela se perdem as juras
Os momentos de amor eternizados
Evocados ao luar.
Laços enamorados
Palavras em comunhão
Sentidos cúmplices
Ao acreditar em ti.
Teu cavaleiro surge da sombra
E seu perdão é no mundo redenção
Abraça a tua alma
E protege-te da noite escura.
Teu
Cavaleiro.
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