Era
como um avião de papel fino e frágil.
Planava
tal como uma folha ao vento, sentindo na sua direcção o ruído da tempestade que
se incidia sobre ele a fim de o derrubar.
Nele se
ofuscavam raios de luz doirada, provenientes das nuvens que se exaltavam na sua
investida ténue, cruzando em sua direcção, tal poeira que soçobre no céu escuro
e denso.
Brum…
Brum….
Relâmpagos
que surgem na atmosfera cinza. Previnem em torpor o ar do seu enredo, e sobre
ele sopra o vento em suas asas desequilibrando-o.
Gotas
caem cerradas em voos imaculados. Pingos que se destroçam em lágrimas na chapa
fria, poética de caos sem luz no horizonte, migram em direcção à terra.
O
vórtice escuro para o qual se dirige perpetua-se num ciclo negro, ao qual
acolhem as nuvens em movimento, perdendo-se no brilho da lua que se esconde ao
longe.
Nesse
momento, tal é o nigredo que o céu se curva sobre a intempérie declarando em
todo o espaço a sua fragilidade.
Dessa
dor o avião plana, embutido nele de todos os sentimentos, pleno da sua
humanidade e ciente do seu destino.
Nele se
incluem todas as palavras do mundo que lhe exprimem todos os sonhos e todos os
anseios.
Feito
de medo transparente como os raios que o abraçam e o apertam fazendo-o
declinar. Mas tal como a chuva que o assola, é nele recriada a coragem do seu
renascimento, e a esperança que o aguarda em sua devoção.
Brum…
Brum….
Em mais
um trovão apenas lhe resta persistir no seu caminho, pois daquele quebrar as
suas asas desfalecem.
“
Coloquem os cintos por favor…”
Daquelas
palavras faz-se silêncio. Silêncio que anseia aos corações dos que naquela
viagem se confundem com o som do vento que surge em sua direcção. Desaparecendo
atrás do céu que se declara em si em pranto, desprovido do azul que cria a
vida.
Nessa
onda de ar que o percorre em sua dimensão, abana como uma folha de papel que na
sua viagem se sente cair em cada movimento em direcção ao ventre que o fez seu
e cuja terra é naquele abismo o oceano.
Observei
as nuvens cinzentas que naquele horizonte se tornavam nevoeiro e o cercavam em
cegos sentidos.
A sua
candeia de luz interior, reunia em si a força de uma vela que por momentos
fugaz parece alimentada por fogo vivo, tal era o som que se repercutia em
traços que nos faziam estremecer.
Em
breves segundos, as luzes do avião desligam-se face à fúria dos relâmpagos, e a
luz exterior invade as nossas janelas, ausentando-se depois na escuridão.
Se
nesse instante pensasse em algo do que o nada, o pânico surgiria e com ele o
aperto no coração.
Curvado
reconfortando-me na minha frágil condição, coloquei o cinto tal como
recomendado, pressentindo uma eventual aterragem de emergência.
Mas
onde, pensei.
No meio
do oceano deflagrar-nos-íamos como um pássaro que caí do céu e encadeado
soçobre sereno em seu destino. Mergulhando naquela água, evade-se da sua
consciência, perdendo a vida, retornando em cinza a outro mundo.
Ao meu
redor reparei nos olhos lacrimejantes, cuja maré se tornava sal do destino e se
fechava em seu interior pedindo ajuda a Deus, qual Ele fosse. Deus cujo
sinónimo de vida os parecia abraçar em sua compreensão reconfortando-os, e
acreditando que tudo correria bem, e que Ele estaria ali para os acolher em
seus braços, apenas como Ele sabe fazer.
Isso
não impedia que as lágrimas se soltassem no rosto para apaziguar a alma, para a
limpar de toda aquela densidade de sentimentos que afluíam em medo e anseio de
toda aquela situação.
Naquelas
sombras negras que o cercavam em seu redor, e cujo fogo eram os trovões que o
incidiam por toda a direcção, fustigando-o a interromper ali o seu voo, naquele
trepidar, parece quebrar em dois.
Era
como uma folha de papel fina em dias de tempestade, cujos ventos a sacodem para
que a força dos relâmpagos a possam despedaçar.
Na
intempérie, em que a luz se evadia em focos de cor, cujo raio reflectia no seu
interior toda aquela centelha de destruição, não pensei em nada.
Apenas
olhei a tua fotografia amor.
Aquela
que andava comigo para todo o lado, e cujos olhos falavam os meus em silêncio.
Transmitindo
toda a tua paz, e mesmo naquele silêncio de caos, todo o teu amor.
O avião
estaria prestes a quebrar em dois e partir incerto para o fundo do oceano.
Perdendo-se no fundo do abismo cujo negro seria tão denso como aquele céu de
sombras negras cujo rodopiar se cindiria na escuridão do espaço sem gravidade
no infinito.
Nesse
pequeno instante em que a vida passa como uma curta memória da nossa
insignificante existência num mundo de ilusão, ao pensar nesses nadas pensei em
tudo.
Apesar
de fugazes, no pressentimento da partida nos destacamos a nós próprios na nossa
própria vida.
Deus
deu-nos a possibilidade de não podermos alterar o nosso passado para alterar o
futuro. No fim compreendi.
Na
imperfeição que possa ter sido a nossa vida, ao cair no oceano profundo
retornaremos à terra, tal como dela é feito o nosso interior.
Criados
de cinza em nossa volatilidade. De que traços ambíguos somos criados para nos
decifrarmos em nossa autenticidade.
Cortejos
de palavras que ouvíamos lá de dentro em sinal.
“
Mayday… Mayday…”
Por
momentos pareceu ouvir a tua voz amor.
Que me
fugiu cá dentro. Por ti confesso que fui por vezes mau e vil, e me concedas o
teu perdão por te ter amado assim.
O vento
que soprava intransigente e irresoluto na sua investida pareceu trazer a tua
voz e o teu perdão.
Perdoa-me
que te abandone no imenso oceano para o qual converge o meu olhar e cujo sal é
o da minha despedida.
Nele se
faz adeus na minha inevitável partida.
“Não me
abandones.” Pareceu ouvir naquele momento. Não me abandones porque da tua alma
estou apaixonada.
Porque
te amo mais do que tudo e apesar das tuas imperfeições eu sei que tu és bom.
Acredito em ti. Acredito que mais do que tudo desejas o melhor à humanidade.
Nesse
momento, incidiu-se sobre nós um relâmpago que quebrou o avião. Deflagrando o
fogo em suas asas quebradas, tal como um pássaro fulminante no céu que se solta
inanimado.
O vento
refugiou-se no seu interior e as vozes surgiram apagadas na trepidação,
ansiando por saber o seu destino.
“ Não
me abandones porque em teu interior vive um coração que respira por mim.”
Ouço-o
gritando em pranto por todo o amor que merece, mas que lhe escapa por ainda não
ser seu. Nesse laço que nos une, como o céu azul que reluz em seu tom calmo
espero por ti. Espero pelo nosso encontro. Será como as palavras que trocamos
um dia e agora como aquelas que nunca te direi. Pelos sonhos que partilhamos.
Pelo futuro cindido em cada passo marcado no fluir da vida, do qual brota a
respiração dos nossos corações apaixonados. Pelas noites passadas a pensar em
ti e tu em mim, quando no céu a lua ilumina o nosso olhar em comunhão. Nesse
teu dom das palavras que me fez apaixonar por ti.
O vento
invadia o avião face ao choque do relâmpago que lhe tinha destroçado parte do
seu interior, e a trepidação aumentava à medida que as nuvens eclodiam em rebentos,
dirigindo-se em direcção ao mar.
Com o
remoinho do céu cada vez mais distante voavam bancos e bagagens, perpetuando o
pânico e a angústia nos seus tripulantes que reviam ali o último instante.
Com o
fluir das rajadas que se opunham em nossa direcção e nos embaraçavam num frio
paralisante, alguns tiveram tempo de colocar o equipamento de protecção face à
eventual colisão.
Apertei
o colete, e reuni toda a minha coragem, colocando as mãos na nuca e
preparando-me para o embate.
Num
último esforço para equilibrar o avião e o fazer cair com o mínimo de impacto
sobre as ondas, ao colidir uma enorme vaga de água desencadeou-se sobre nós,
tornando-nos inconscientes.
Nesse
momento recordo-me de te ter prometido.
“ Não
te abandonarei.”
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