Inesperado
e puro.
Dias
passados como partida do Destino.
Céu em
tom de alma, que migra ao som da vida em cada badalada.
Assim
se fez tempo.
Assim
sorriu a alma.
Do
nigredo se fez luz e nele a alvorada.
Do
poema criado foi para sempre laço de jeito abençoado.
Sorriu
para o passado, pois a sua vida era futuro, era Sagrado.
Era o
puro e bom. Desse Destino se fez Dom.
Sendo
sua essência repartir e partilhar o seu tom.
A cor
surgiu e migrou para o espírito. O brilho luziu desse som.
Amor
viu nascer e dele se tornou enamorada.
Ela compreendia-me.
Dos
teus olhos compreendi que a vida nos havia criado esse caminho, cujos focos se
uniam iluminando o infinito.
Tal
como caminhos cruzados que existem nas páginas da vida desde o ressurgir do
mundo, e que apenas se dirigem a um destino que já existe, e que nos limitamos
a reviver.
Pensamos
que podemos ser prepotentes para o alterar, mas quando os nossos passos são de
acordo com essa intenção, também assim o é por a vida o querer.
Não
existem sombras negras, pois tudo faz parte de um manifesto maior do que
poderemos compreender.
O mundo
é simples e sem fórmulas antecipadas.
Tudo
flui da maneira como já fluiu um dia em outra eternidade.
Ficamos a admirar a chuva cair, cujo
movimento era cada vez mais ténue. A observar a sombra dos candeeiros que
dançavam em círculos nos passeios da rua, abrigados pela escuridão que os
acolhia no seu brilho da lua. Os relâmpagos mais longínquos, cujo som se
afastava, mas cuja luz clareava a nossa casa de forma exasperante.
Intui
que compreendíamos a necessidade da chuva à criação, ao ressurgir da vida, à poesia
com que as lágrimas do céu se convertiam em manifesto das palavras. Renascido
nesse ritual, o ciclo perpetuaria até ao fim e regressaria à imensidão do
tempo, à profundeza do Oceano.
Olhou
os meus olhos que cintilavam com a partida das gotas nas janelas, escutando o
som do vento sereno que cruzava as torres.
“ O Avô
era um homem bom. Com os seus defeitos, tinha um bom coração. “
Ficariam
ligados para todo o sempre. O primeiro abraço unira-os ao infinito, e as
palavras aos sonhos confidenciados.
Compreendi
que todos temos uma história de amor para partilhar com o mundo.
Um breve arrepio percorreu o meu
corpo como se o seu espírito nos escutasse. Senti a sua presença, com a dança
momentânea que as luzes criaram, e cujo foco oscilou naquela sala.
Os trovões
ao longe uniam-se à terra em traços irregulares, e a chuva partilhava com o
vento o fluir no Rio Tejo, que ao longe se via como uma ténue linha do
horizonte.
Sentiu
um calafrio e aconchegou o casaco junto a si. Respirou fundo e tentou sentir a
sua presença. No seu olhar pareceu ler os meus pensamentos.
“ O
espírito é um suspiro que se repercute pelo éter e cuja viagem continua após a
morte do corpo, em direcção ao infinito. A nossa presença no mundo é demasiado
fugaz para o compreendermos. São breves os instantes em que vivemos. O medo que
se flui à nossa alma, resulta do facto de não incutirmos essa verdade no nosso
ser. “
Imaginava
que face à solidão que lhe apertaria o coração, ele retornasse para a acolher
em sua paz, cuja presença irradiava essa serenidade. Nesses momentos acolhia-a
com as palavras eternas das suas cartas, das quais em silêncio, a vida faria os
seus corações dialogarem.
“ Não a
tinha abandonado. “ Na eterna jura de amor, apesar de não estar presente, viria
ampara-la nos momentos mais difíceis, pois o seu carinho por ela era maior do
que a bruma que os separava na passagem entre vidas.
Esperava
por ela no dia da sua passagem.
Viria
buscá-la tal como no abraço do seu reencontro no cais, quando regressara da
guerra, mas agora esperava-a do outro lado do mundo. Daquele de que ninguém tem
conhecimento e apenas resta aguardar pela nossa hora.
No
negro do céu, a chuva retornou às nuvens. O centro dos sonhos, de onde surge a
Aurora, a luz da partida dos trovões era cada vez mais ténue, perdendo-se ao
longe, no fluir do Rio.
Perguntei-lhe
sobre a morte. Mas compreendi o despropósito e mirrei de olhar cabisbaixo.
“ Não
tens razões para ficar assim. A morte é um processo natural na vida. Um
prosseguir da viagem. “
Recordei
os aviões que partiam do aeroporto da Portela, e que naquele bairro se podiam
ver da nossa janela, em direcção ao seu destino.
Confidenciamos
essa direcção no infinito. O infinito que em suas cartas se proclamariam
eternamente, e no sentido das palavras. A importância das palavras no percurso
da Humanidade. O verbo que traduz o sentimento, e que se declama em nossa
língua. Quantos sonhos por ela se partilhavam.
Das
nuvens criei um bando de pássaros que ao migrar, permitiram ler o encanto da
Lua, e o tom do céu cujos focos de claridade se perpetuavam numa maré de luz.
Na vida
somos meros espectadores de um destino que já foi escrito nas suas páginas e
esse infinito é a ilusão de um finito que já existe, e para o qual flui o
mundo.
Apesar
disso, pensava que o meu Avô a esperaria no outro lado, ansioso para que as
suas almas se reencontrassem. Para lhe contar como esse mundo seria sublime e
esplendoroso, sendo esta passagem apenas uma forma de nos purificarmos.
Senti
um novo arrepio e a sua presença pareceu aquietar-me.
“ A
morte é um pingo de chuva que caí do céu percorrendo a sua vida em distância, e
ao cruzar a terra divide-se em partículas de água semelhantes ao pó que retorna
à sua profundeza. “
A luz dos candeeiros cambiaram novamente
com o abalo do vento que se incidia pelas torres, e se dirigia em direcção ao
céu.
Todas
as histórias de todos os tempos são feitas de vida e morte, sendo o final feliz
a forma como durante esse percurso, compreendemos a sua efemeridade.
A vida é
feita de cumplicidade com o tempo de que são feitas as nossas células. Tempo de
que nos queixamos. De que esperamos a futura felicidade. Que nos embaraça pelo
passado em direcção ao futuro. Sendo manifesto contrário ao sentir o Agora sujo
significado é um estado atento. Mas o ser humano não se consegue desligar das
suas emoções. Vivendo nesse estado anímico, procurando a satisfação e fugindo
da dor. Remete para a temporalidade o sentido da sua vida. Tal como eu.
Mas
isso contradizia com o caminho que nos conduz aos nossos projectos. Esperando
na sua concretização a nossa felicidade. Mas talvez de forma efémera…
“ Os sonhos e as nuvens resultam da
tua comunhão com o Céu. Tornam-se um oráculo se olhares com atenção. As suas
figuras retornam-te mensagens subliminares e respondem-te as questões,
auxiliando o teu caminho. “
Naquele
momento eram negras e por isso assustei-me.
“ O céu
azul um dia retornará. Nunca te esqueças disso. “
Naquele momento o meu Avô estaria do
outro lado do firmamento, onde o céu deixaria de ser negro, e as gotas seriam
melodias da felicidade. Esperava-a com um abraço tão especial como o primeiro,
quando ela o fora receber.
Indaguei-a
da eterna paixão.
“ O
amor é simples e puro, e por ele movemos montanhas e seguimos a pessoa amada
até ao fim do mundo. “
Onde a
vida escasseia? Perguntei.
Para
além do fundo do abismo, cujo negro profundo é a terra para onde converge a
cinza em cada ciclo do mundo, e retorna a recordar a sua origem.
“
Unidos nesse amor, a luz surge nessa escuridão, porque ela se cria do perdão,
da generosidade e da gratidão. “
Atenta ao espelho da tua alma.
Questionei
se o que sentira por ti era apenas uma paixão momentânea.
Sorriu.
O
coração abalou como um terramoto, vulnerável ao sentimento que me invadiu o
espírito.
O amor…
Olhou a chuva cair. Das nuvens
revivia memórias do passado em forma de sonhos. O primeiro Abraço. O beijo
breve num passeio pelas ruas de Lisboa onde as juras que se proclamavam a céu
aberto parecia proibido. A emoção ao reler as suas cartas que guardava com
carinho.
“ Só tu
o podes responder, por isso resta confiar na vida. “
Deu-me
um beijo na face e foi-se deitar.
Fiquei
ali sozinho a escutar o som da chuva, no seu lamento cuja terra fria acolhia em
seu tempo quente.
A carta
soava tal como uma melodia, quando ao ler as suas páginas, o papel antigo se
movia como uma música.
A vida
têm caminhos que nos cabe caminhar, e que apenas ela pode decifrar, sendo as
coincidências uma dádiva que nos resta estar gratos.
Aquele
momento podia ser uma dessas dádivas e esse reencontro, as palavras de uma
carta, que a vida tinha escrito naquele instante.
Linda
música que fizeste brotar em mim.
Ao
poema dei o teu nome, tornando-se eterno no universo para onde para sempre se
declamara à voz do vento.
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