segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Destino (continuação 4 do conto)



Confesso amor à primeira vista.
Submergiu cá dentro como se já existisse e aguardasse o seu renascimento.
O aperto forte fez-me questionar o que sentira, e perguntei-o à minha Avó que me fazia companhia naquele momento. Sentindo receosa a chuva que desabava sobre a nossa cidade respondeu.
“ A vida é cheia de coincidências, e pode ter sido essa a forma de te sorrir. “
Parece que te conhecia desde sempre, e o aperto no coração fez-me questionar.
Sorriu.
A luz dos relâmpagos surgiram como focos de cor que invadiam a nossa casa,
O Destino assim queria que nos cruzássemos de mil em mil anos, como dois pássaros que migram para destinos diferentes e regressam uma única vez a casa para se reencontrarem.
“ Confia se a vida te fez sentir que a conheces de toda a eternidade. Nunca ninguém no mundo irá conseguir traduzir em palavras o que existe de sublime numa verdadeira história de amor. “
Naquele momento esqueci o temporal e apenas escutava a tua voz. Falavas da tua vida na Índia, o que te motivava no teu caminho, face às diferenças que essa cultura tinha em relação ao Ocidente. Por fim, o programa terminou.
A minha avó sorriu. Levantou-se e desapareceu no corredor de casa com se fosse buscar algo. Retornou pouco tempo depois com uma fotografia do meu Avô, que guardava num álbum de memórias no quarto e que apesar de antiga permanecia em boas condições.
Abriu-o com um sorriso terno nos olhos como se regressasse ao passado, ao seu tesouro.
“ O teu Avô e eu conhecemo-nos quando partira para a guerra muito novo, para lutar pelo teu país. Foi através das suas palavras que me apaixonei, e que compreendi de que era feita a sua alma. Sendo feita dessa matéria especial de que são feitos… “
Os Sonhos! Respondi.
O seu silêncio vago ao longo da vida e a sua experiência eram agora transmutados na sua sabedoria.
Ao ouvir a sua história, continuava imerso na tua admiração.
Também os meus sonhos eram como nuvens no céu, que apesar de escuro naquele instante não deixava de retornar ao azul que assim escondia. Em breve se faria luz e com ela o brilho dos pássaros e a sua melodia recordariam a tua voz, cuja canção era a tua paixão.
“ Eu bem vi como é bonita! “ Sorriu com a timidez que me caracterizava.
Compreendi que através de mim, revivia o seu passado e todas as memórias partilhadas com o meu Avô e tudo o que significava para ela.
Nem o som dos trovões nos faziam declinar dessa Saudade. Escutada no silêncio. Retomada em nós melancolia que nos faziam esquecer o Agora e viajar no tempo.
Folheou-o mais uma página no álbum, e o pó levantou-se no ar para desaparecer na atmosfera.
Retirou uma carta antiga que ele lhe havia escrito e desembrulhou-a. As suas páginas desgastadas, de cor esbatida, tingida pelo tempo e de cheiro antigo, cortaram o silêncio nos movimentos ao desembrulharem-na.
Nela dizia que se havia apaixonado por ela ao olhar a sua fotografia, cujos olhos o haviam abraçado.
Ela corou.
Corou como na primeira vez ao ler aquelas páginas, após ter decidido trocar correspondência com um soldado que ansiava pela companhia das palavras para se sentir reconfortado.
“ Foi assim que nos conhecemos. ”
À distância trocaram juras e palavras que os fez apaixonar. Sonharam em conjunto o que idealizavam, e assim o concretizaram.
O amor surge sem explicação. É imprevisto e inexplicável. Arrebata corações e pode torná-los frágeis ao ponto de os destroçar.
A carta perpetuaria para sempre esse momento. Cujas palavras sábias eram impressas no mundo como histórias escritas no livro da vida.
Sorriu novamente, e sugeriu.
“ Escreve-lhe uma carta. “
A tempestade acalmou e o vento deixara de soprar forte sobre as frestas das janelas. Afluía-se a chuva lenta em traços repetidos em relação à torre e do céu surgiam raios de tom que quebravam a escuridão das nuvens.
A minha Avó tinha-me surpreendido. A sua perpétua solidão tinha-se transmutado em feição alegre, transmitindo uma luz brilhante ao seu neto. Recordava o seu amor, e o seu passado, cujas recordações alegravam a sua alma em momentos de solidão.
Olhei a rua lá em baixo, e as poucas árvores que circundavam o bairro degradado abanavam com o vento que soprava no horizonte.
O olhar da minha Avó conflui-se com o meu. Os raios desapareciam ao longe e davam origem ao som dos trovões. Ténues e longínquos perdiam-se nas colinas de que era feita Lisboa.
A eterna Lisboa.
Cidade das sete colinas. Reúne em si todos os traços e cores, o que a torna uma das mais bonitas do mundo. A sua tradicionalidade reflecte as histórias do seu fado, que se une velho e novo com os graffiti que embelezam as paredes na paixão pelo moderno.
Reli mais uma vez a carta do meu Avô.
Com a luz da Lua que surgia cruzando as nuvens negras, dava-lhe outro significado. Decifrava o som da guerra. O carinho pela minha Avó. Da sua poesia conclui que um homem pode ser romântico, pois isso não o torna menos homem mas talvez mais humano.
Ela concordou e recordou o seu dom para as palavras que a fizeram apaixonar por ele.
“ Quando o fui receber ao cais, no barco que o retornou da guerra, no primeiro abraço era como se já o conhecesse de toda a eternidade. “
Daí a emoção ao ver o amor do neto, e por ela o ter vivido da mesma forma.

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